Por Marcelo de Col Gomes Rezende - www.linkedin.com/in/marcelodecol
Resumo: Este artigo descreve a forma de gestão da
qualidade na aviação civil brasileira, bem como contribuir para uma
reflexão e oferecer novos ângulos de análise e tomada de decisão voltada
para a melhoria.
1 Introdução
A aviação comercial brasileira
experimenta expansão e crescimento da ordem de 12% ao ano desde 2007
destacou estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)
divulgado em 2010, a projeção do estudo aponta para um crescimento
acelerado nos próximos 15 anos. Os números crescentes por transporte de
passageiros e cargas afetam diretamente as estratégias das diversas
empresas do setor aéreo, especialmente as companhias aéreas que possuem
em seu dia-dia desafios de um setor bastante regulamentado e pouco
lucrativo do ponto de vista do custo operacional face aos custos
operacionais das companhias aéreas estrangeiras.
Uma destas estratégias é a Gestão da
Qualidade, foco deste artigo. Essa estratégia deve envolver a
organização de forma global, deste o atendimento inicial do cliente por
meios virtuais como compra de passagens e check in eletrônico ou
presenciais nas lojas e balcões de atendimento, passando por processos
complexos de gerenciamento da manutenção, cadeia de suprimentos e
operações de voos das frotas de aeronaves.
Este estudo científico apresenta um
panorama do sistema de gestão da qualidade na indústria aeronáutica
brasileira e pretende contribuir para uma reflexão abrangente,
oferecendo novos ângulos de análise.
1.1 Revisões teóricas
Antes, porém, é importante apresentar o
entendimento de autores, entidades e normas reconhecidas nas áreas da
qualidade e aviação, relacionados aos conceitos básicos da qualidade.
1.1.1 Controle da Qualidade:
Para a ISO 9000 (2005), controle da
qualidade é a parte da gestão da qualidade focada no atendimento dos
requisitos da qualidade.
Segundo a American Society for Quality
(ASQ), controle da qualidade é a técnica de observação e atividades
utilizadas para cumprir os requerimentos da qualidade.
De acordo com KINNISON (2004), controle
da qualidade é definido como um conjunto de atividades de inspeção,
sendo: as inspeções das atividades de manutenção na aeronave, as
inspeções de oficinas, as inspeções de recebimento de materiais, as
inspeções de ensaios não destrutivos (END) e a execução de calibração de
instrumentos, equipamentos e testes.
Já para o IATA Reference Manual for
Audit Program – IRM (Julho 2014), controle da qualidade pode ser
entendido como auditoria, inspeção ou teste das saídas de um processo,
que pode ser um produto, um serviço ou uma função, para determinar a
conformidade com desempenho técnico e ou padrões de qualidade.
Atividades de controle da qualidade são tipicamente patrocinadas pelos
gestores das áreas de operações, manutenção ou security que possuem
responsabilidade direta em safety¹ e security² em suas respectivas
áreas.
Controlar a qualidade significa atender a
critérios específicos. Função está muito mais ligada as atividades de
inspeção do que de auditoria, neste sentido há um alinhamento entre os
conceitos apresentados por KINNISON (2004), ASQ e pela ISO 9000 (2005). De forma prática o controle da qualidade na aviação civil desdobra-se nas atividades descritas por KINNISON (2004).
¹ Safety: Área responsável pelo
desenvolvimento e aprimoramento das políticas de segurança operacional
(também conhecida como segurança de voo)
² Security:Área responsável pelo desenvolvimento de políticas de segurança patrimonial e contra atos ilícitos
² Security:Área responsável pelo desenvolvimento de políticas de segurança patrimonial e contra atos ilícitos
1.1.2 Garantia da Qualidade:
Segundo a ISO 9000 (2005), garantia da
qualidade é a parte da gestão da qualidade focada em prover confiança de
que os requisitos da qualidade serão atendidos.
Para a American Society for Quality
(ASQ), garantia da qualidade é definida como atividades planejadas e
sistemáticas implementadas em um sistema da qualidade para que os
requisitos da qualidade de um produto ou serviço sejam cumpridos.
Para KINNISON (2004), garantia da
qualidade é definida como um conjunto de atividades que englobam a
administração e o gerenciamento do setor de garantia da qualidade, as
atividades do “CASS – Continuing Analysis and Surveillance System
(Sistema de Vigilância e Análise Continuada), a condução das auditorias
nas organizações de manutenção e engenharia, da manutenção dos registros
técnicos e da ligação com a entidade reguladora e todas as áreas que
englobam as organizações de manutenção e engenharia.
Segundo o IATA Reference Manual for
Audit Program – IRM (Julho 2014) garantia da qualidade pode ser
entendida como um processo formal e sistemático de auditorias e
avaliações do sistema de gestão e as funções operacionais de um operador
ou prestador para assegurar:
- Conformidade com a regulamentação e requerimentos internos;
- Satisfação de necessidades operacionais declaradas;
- Identificação de condições indesejáveis e áreas que necessitam de melhorias;
- Identificação de perigos.
Garantir a Qualidade está ligada a uma
série de atividades que farão com que exista confiança no serviço ou
produto, essa confiança é traduzida pela criação/atualização de
procedimentos e melhoria de processos das áreas produtivas e outras
áreas de suporte. As atividades descritas pelo modelo de KINNISON (2004)
são atualmente realizadas na integra pela área da Garantia da
Qualidade.
1.1.3 Gestão da Qualidade:
Para a ISO 9000 (2005), são atividades coordenadas para dirigir e controlar uma organização, no que diz respeito à qualidade.
Segundo PALADINI (1998), é o conjunto de
estratégias que, organizadamente desenvolvidas, visam produzir
qualidade em processos, produtos e serviços.
De acordo com o IATA Reference Manual
for Audit Program – IRM (Julho 2014), é o conjunto de atividades
organizacionais, planos, políticas, procedimentos, processos, recursos,
responsabilidades e de infraestrutura implementada para garantir que
todas as atividades operacionais satisfaçam os requerimentos
regulatórios e dos clientes. Um sistema de documentação controlado é
utilizado para refletir os planos, políticas, procedimentos, processos,
recursos, responsabilidades e a infraestrutura utilizada para alcançar a
conformidade de forma consistente e contínua.
A Gestão da Qualidade tem em suas bases a
ciência da administração PALADINI (1998), antes de ser uma atividade
como descreve o IRM, deve ser entendida como um conjunto de estratégias.
2 A gestão da qualidade na aviação civil brasileira
Historicamente o setor aeronáutico
brasileiro incorpora práticas e modelos dos setores aeronáuticos europeu
e norte-americano, sendo a legislação brasileira uma adaptação
principalmente da legislação norte americana, seguindo, portanto as
tendências desta última. Existem certamente pontos específicos na
legislação do setor desenvolvida pela Agência Nacional de Aviação Civil –
ANAC, contudo a regulamentação Brasileira, Norte-americana ou Europeia
não possuem uma abordagem sistêmica para a gestão da qualidade das
organizações do setor.
É encontrada na gestão das empresas
aéreas a área (Diretoria ou Gerência) da garantia da qualidade descrita
por KINNISON (2004), mas, as atividades deste modelo são desenvolvidas
apenas para a área de manutenção de aeronaves e cadeia de suprimentos
aeronáuticos. Deste modo há um isolamento entre as áreas das
organizações, não existindo políticas de integração entre outras áreas
da empresa e suas estratégias para a gestão da qualidade corporativa.
A área responsável pela Garantia da
Qualidade, frequentemente está ligada a alta administração das operações
de manutenção. Também é de responsabilidade desta área a condução do
programa denominado Sistema de Análise e Supervisão Continuada (SASC).
O SASC é preconizado pelo Regulamento
Brasileiro de Aviação Civil (RBAC) 121.373 – Acompanhamento e Análise
Continuada, descrito abaixo:
121.373 – ACOMPANHAMENTO E ANÁLISE CONTINUADA
(a) Cada detentor de certificado
deve estabelecer e manter um sistema de acompanhamento e análise
continuada da execução e eficácia dos seus programas de inspeções e de
manutenção, manutenção preventiva, modificações e reparos, visando
corrigir discrepâncias ou deficiências desses programas. Tal sistema
deve acompanhar a execução de todos os trabalhos em curso, sejam
executados pelo próprio detentor de certificado, sejam executados sob
contrato externo.
(b) Sempre que a ANAC julgar que em
qualquer dos programas referidos no parágrafo (a) desta seção os
procedimentos e padrões especificados não atendem aos requisitos deste
regulamento, o detentor de certificado envolvido deve, após receber a
notificação escrita da ANAC, fazer as modificações determinadas.
Como suporte ao requisito foi criada a
Instrução Suplementar (IS) 120-079, que descreve aos operadores
certificados conforme os RBAC 121 e RBAC 135 como devem implementar o
SASC.
Um pouco antes da criação da IS120-79, a
resolução n°18 da ANAC publicada em 20 de Março de 2008, obrigava as
empresas que operam segundo o RBAC 121 e que executem operações de
bandeira, ou seja, que realizam voos para fora do território nacional,
deveriam constar e permanecer no programa IATA Operations Safaty Audits
(IOSA) – Auditoria Internacional de Segurança Operacional da IATA, a
partir de 01 de Janeiro de 2009.
Originalmente a IOSA foi iniciada em
2001 pela IATA (International Aviation Transportation Association), para
satisfazer duas necessidades específicas da indústria aeronáutica:
- A diminuição das auditorias cruzadas das companhias aéreas que iniciariam acordos comercias de compartilhamento de voos (code share) e
- A manutenção dos altos níveis de segurança operacional.
A partir das premissas da IOSA e da
resolução n°18 da ANAC as companhias aéreas brasileiras de bandeira
implementaram o programa, que prevê auditorias bianuais de
certificadoras acreditadas pela IATA.
Desta forma houve uma integração entre
oito áreas operacionais das empresas. São elas: Alta Administração e
Safety; Operações de Manutenção; Operações de Voo que englobam a
Tripulação Técnica; Operações de Cabine que englobam a Tripulação
Comercial; Despacho Operacional; Operações de Solo, Operações de Carga e
Security.
Essa integração permitiu que todas as operações fossem planejadas de forma estratégica o que não ocorriam até então.
As companhias aéreas passaram a formar e
sistematizar comissões que reúnem as oito áreas operacionais a
intervalos planejados para discutir temas ligados a auditorias internas e
auditorias de certificação das autoridades aeronáuticas e dos órgãos
acreditados pela IATA e mais recentemente aos processos do Sistema de
Gerenciamento da Segurança Operacional (SGSO) ou Safety Management
System (SMS) preconizado pela ICAO (International Civil Aviation) Doc
9859 (ICAO Safety Management Manual (SMM). Apesar desta integração as
áreas ligadas à percepção dos clientes, tratamento de reclamações e
posterior realimentação estão fora do âmbito dessas comissões.
Para as demais empresas da indústria
aeronáutica que para o foco deste artigo são as organizações de
manutenção de aeronaves e produtos aeronáuticos, as políticas para os
sistemas de gestão da qualidade e o gerenciamento da segurança
operacional são pouco divulgadas e de difícil entendimento.
Em 08/01/2009 a ANAC emitiu um documento
denominado, Programa Brasileiro para a Segurança Operacional da Aviação
Civil (PSO-BR) esse programa associado com o Programa de Segurança
Operacional Especifico da Agencia Nacional de Aviação Civil (PSOE –
ANAC), trazem diretrizes para operadores e empresas de manutenção em
produtos aeronáuticos, de como deveriam implementar o SGSO.
Em 05/03/2013 a ANAC emitiu a emenda 00
do RBAC 145 – Organizações de Manutenção de Produto Aeronáutico, este
regulamento é a revisão do antigo RBHA 145 – Empresas de Manutenção
Aeronáutica e um dos seus requisitos, o 145.214-I trata do SGSO para as
organizações de manutenção, contudo até hoje não há um entendimento
claro de que forma as organizações de manutenção de aeronaves e produtos
aeronáuticos devem implementar tais requisitos.
Desta falta de entendimento sobre a
implementação do SGSO (SMS) e outras estratégias ligadas a Gestão da
Qualidade, Garantia da Qualidade e Controle da Qualidade fazem com que
essas organizações tenham seu foco somente no atendimento aos requisitos
regulamentares, não havendo espaço para a inovação e melhoria de
processos levando a um ciclo vicioso e perverso de limitar-se as
prescrições.
3 Conclusão
Não se espera que agências reguladoras
provejam caminhos além daqueles prescritos na regulamentação. Isso
ocorre em todos os tipos de mercado onde há regulação, sobre tudo no
setor aéreo, que é extremamente regulado. Dessa forma as organizações
limitam-se a cumprir requisitos, não havendo neste cenário espaço para
melhoria e inovação.
Este é exatamente o paradigma que
precisa ser quebrado, não é porque se está em um mercado extremamente
regulado que não exista espaço para inovação e melhoria. É preciso que
haja um esforço por parte da alta direção em entender o presente e
pensar no futuro de suas organizações e não há outro caminho que leve a
perenização de uma marca ou organização que não pelas mãos da qualidade,
isso pode ser traduzido através da implementação de ferramentas
conhecidas a várias décadas, esse trabalho deve ser iniciado por um bom
Controle da Qualidade que deve entender quais são os requisitos a serem
atendidos, também desdobrado no fato deste controle ser executado
essencialmente por pessoas, estas devem entender seu papel que é um dos
pilares da segurança de voo, mas sobretudo caminhar para a inovação na
forma de se executar os processos.
Posteriormente estruturar a área da
Garantia da Qualidade que tem por finalidade a criação e melhoria de
procedimentos e processos das operações da organização.
Posteriormente a integração das áreas de
Controle da Qualidade e da Garantia da Qualidade, é necessária a
criação de uma área para Gestão da Qualidade, essa é um pouco mais
complexa, pois atinge a empresa de forma global, entretanto é possível
combina-la com a Garantia da Qualidade no modelo de KINNISON (2004).
Somente depois que essas três áreas
estiverem trabalhando de forma harmoniosa pode-se pensar em implementar
ferramentas como Lean, o Lean Seis Sigma, todavia nenhum modelo ou
quebra de paradigma será bem sucedido se a alta direção não se engajar
na causa desde o seu início ou até mesmo antes, que seja emanada da
própria alta direção.
Referências
AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL –
ANAC. Regulamento Brasileiro de Aviação Civil – RBAC 121 – Requisitos
Operacionais: Operações Domésticas, de Bandeira e Suplementares,
Resolução nº 146 , de 17 de março de 2010.
AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL –
ANAC. Regulamento Brasileiro de Aviação Civil – RBAC 145 – Organizações
de Manutenção de Produtos Aeronáuticos, DOU 07 de Março 2014 Seção 1,
página 3 e 4
AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL –
ANAC. Instrução Suplementar – IS120-079 – Sistema de Análise e
Supervisão Continuada, DOU n° 118, S/1, p.11 de 24 de Junho 2009.
AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL – ANAC. Programa Brasileiro para a Segurança Operacional da Aviação Civil – PSO-BR, 2009
AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL –
ANAC. Programa de Segurança Operacional Específico da Agência Nacional
de Aviação Civil – PSOE-ANAC, 2009
AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL – ANAC. Resolução n° 18, 19 de Março de 2008
AMERICAN SOCIETY FOR QUALITY – ASQ.
Basic Concepts
http://asq.org/learn-about-quality/quality-assurance-quality-control/overview/overview.html,
acessado em 18/06/2014
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS
(ABNT). NBR ISO 9000:2005: Sistema de gestão da qualidade: fundamentos e
vocabulário. Rio de Janeiro, 2006.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS
(ABNT). NBR ISO 9001:2008: Sistema de gestão da qualidade:requisitos.
Rio de Janeiro, 2008.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA
– IPEA Panorama e Perspectivas para o Transporte Aéreo no Brasil e no
Mundo. Distrito Federal, 2010.
INTERNATIONAL AIR TRANSPORT ASSOCIATION – IATA. IATA Reference Manual for Audit Program – IRM, 5° Edição, Montreal 2014.
INTERNATIONAL CIVIL AVIATION ORGANIZATION – ICAO. Doc 9859 Safety Management Manual – SMM, Montreal 3° Edição, 2013.
[4] KINNISON, H. A. Aviation Maintenance Management New York: McGraw-Hill Companies, Inc 2004.
PALADINI, E.P. As Bases Históricas da
Gestão da Qualidade: A Abordagem Clássica da Administração e seu Impacto
na Moderna Gestão da Qualidade: Gestão & Produção v.5, n3, p.
168-186, Dezembro 1998.
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